Nascer, algo a que nunca estaremos predestinados. Já morrer é uma questão de destino, data ou acaso.
E onde nasce a fonte, daí brota tudo o que dela se alimenta.
Depois vem a aprendizagem, a moldura, a indignação, a mentira, a dúvida, mesmo que implique fechar os olhos e abrir as janelas, derrubar as cortinas. Tudo se vai resumindo a altos e baixos, linhas rectas ou convexas, repetições ou ecos, luzes ou sombras, frases imperfeitas!
Citando Bernardo Soares, no Livro do Desassossego:
“Adoramos a perfeição, porque a não podemos ter; repugná-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é o desumano porque o humano é imperfeito.
O ódio surdo ao paraíso — o desejo como o da pobre infeliz de que houvesse campo no céu. Sim, não são os êxtases do abstracto, nem as maravilhas do absoluto que podem encantar uma alma que sente: são os lares e as encostas dos montes, as ilhas verdes nos mares azuis, os caminhos através de árvores e as largas horas de repouso nas quintas ancestrais, ainda que as nunca tenhamos. Se não houver terra no céu mais vale não haver céu. Seja então tudo o nada e acabe o romance que não tinha enredo.
Para poder obter a perfeição fora precisa uma frieza de fora do homem e não haveria então coração de homem com que amar a própria perfeição.
Pasmamos, adorando, da tensão para o perfeito dos grandes artistas. Amamos a sua aproximação do perfeito, porém o amamos porque é só aproximação.”
Depois vem a realidade, a indiferença, os círculos fechados, as amizades circunstanciais, os abismos onde nos lançamos de olhos vendados, as provas refutáveis do inquestionável e outras verdades imperfeitas. Buscando sempre um fim atingível, incondicional ou até incapaz de corresponder a algo que não vivenciámos nunca, mas a simples perseverança e luta primária, transforma uma batalha numa semente lançada à terra e que germinará conforme o clima e a sustentabilidade.
E a nossa aura transcendente perdurará pelos séculos e milénios, mesmo que escondida numa curva do caminho, numa sepultura esquecida ou num vulcão adormecido.
Tudo começa, acaba e tem umas entrelinhas. Não é uma ciência exacta, nem uma tela por pintar. Vai-se formando e deformando, de surpresa em surpresa, de desilusão em desilusão. Mas depois dum céu nublado, duma tempestade austera e de quaisquer dinâmicas de sepulcro, vem sempre a luz e a estrada aberta, o mar calmo e a maré cheia, o abraço e cadeira.
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